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O necessário debate sobre violência doméstica dentro das empresas


A cada caso de violência doméstica cometido às mulheres, fico assustada ao me perguntar: como tamanha brutalidade continua afligindo as brasileiras? Enquanto lia as notícias, me deparei com os dados do Instituto Datafolha, encomendados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e publicados em julho de 2021 no Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A pesquisa mostra que, apesar da queda de 9,6% nos números de violência doméstica registrados em delegacias, houve um aumento de 3,8% no acionamento da Polícia Militar para os casos de agressão através do disque 190.


A pesquisa também revelou que os ataques passaram de 42% para 48% nas residências e diminuiu de 29% a 18% nas agressões de rua. Ou seja, as estatísticas permitem chegar à conclusão de que as mulheres não têm segurança dentro ou fora de casa.


Respeitamos o isolamento e nos trancamos em casa para fugir de um vírus mortal para estarmos vulneráveis a outro problema igualmente preocupante: o feminicídio. O desemprego e o aumento das tarefas domésticas, que sempre afetaram as mulheres, aumentaram na pandemia e atingiram, sobretudo, as negras e as solteiras.

Os companheiros continuam os principais responsáveis pelas agressões, contudo, elas também podem vir dos pais, dos filhos e do padrasto. E engana-se quem pensa que isso se restringe apenas aos casos de abuso físico. De acordo com a Lei Maria da Penha, sancionada em 7 de agosto de 2006, temos mais quatro tipos de agressão: a patrimonial, a física, a sexual, a moral e a psicológica.


A violência começa em atos que nós como sociedade tendemos a não dar a devida atenção, como a crítica por usar uma saia curta, as regulações de quais amizades podemos ter, a repressão ao colocar um decote, o esmalte vermelho, a maquiagem exagerada, o sapato alto. A agressão física é a continuação desses atos. Cabe a nós identificarmos a hora em que o carinho excessivo deixa de ser cuidado e vira abuso.


O que também me preocupa é o dano cometido às pessoas que presenciam a cena, em específico os filhos que assistem à mãe sofrer algum tipo de abuso. Como esperar um desenvolvimento psicológico saudável de uma criança que assistiu algo assim? Os nossos pais são as primeiras referências que construímos a respeito do mundo, de como as relações sociais funcionam e como os seres humanos agem ou devem agir. Prejuízos nas primeiras etapas de crescimento distorcem os indivíduos e reproduzem maridos que baterão na sua esposa ou filha, e mulheres que aceitam o papel de submissão e agressão diante das figuras masculinas.


Quando reflito, me pergunto: o que posso fazer, na minha condição de empresária, mulher e mãe para contribuir na solução do problema? Acredito que o fato de estar em uma posição de liderança no mundo corporativo me coloca como referência, o que faz com que muitas mulheres vejam em mim alguém a quem confiar e se inspirar. Por isso, sinto o dever de cumprir com essa expectativa.


Após ouvir o tema se popularizando entre as colaboradoras da minha empresa, decidi criar instrumentos que me permitissem tratar a questão internamente. O projeto “Entre Elas” nasceu dessa necessidade em não me calar diante do abominável. Realizamos reuniões quinzenais, geralmente às sextas-feiras, selecionando assuntos sobre empoderamento feminino e discutindo-os em grupo num café da manhã com presença somente das mulheres.


Procuramos trabalhar nesses encontros o que é necessário para evitar os danos psicológicos causados às vítimas, caso aconteça algum tipo de violência em casa.

O processo é longo e com degraus a serem respeitados. As mulheres que sofrem agressões domésticas possuem medo de trazer os casos à tona por receio do julgamento social que pesa a favor dos homens.


Porém, antes, precisamos melhorar a autoestima, a segurança, a autoimagem e o sentimento de acolhimento com a vítima. É importante que elas percebam que tem apoio, suporte, e que percorreremos o processo de denúncia e acompanhamento do caso ao seu lado. Dessa forma, consertamos o sistema de crenças e valores a respeito de si que se encontram distorcidos naquele momento.


De forma complementar, também organizo palestras dedicadas ao tema da violência doméstica, em que os membros da empresa aprendem sobre segurança e seus direitos fundamentais.


Fazemos essas ações de conscientização social na Zorzin, pois acreditamos que o mundo corporativo precisa falar desses temas. Contudo, atitudes como essas dentro da empresa não terão efeito se os diretores não forem pessoas abertas e acessíveis ao diálogo.

A ideia de que a palavra do “chefe” é o que vale não funciona comigo. Procuro ser autêntica e criar vínculos com os que me acompanham no desafio diário de gerir uma empresa, e isso vai desde a motorista de caminhão, até os funcionários das áreas administrativas. Na minha sala tenho, inclusive, um sofá, na parte da manhã, onde as pessoas podem se sentar para conversar e eu valorizo cada história ou momento compartilhado com essas pessoas que fazem parte da minha vida.


A mulher que trabalha, cuida da casa e dos filhos, namora, divide as tarefas com o companheiro/a, mesmo com a melhora dos espaços para incluí-la, ainda tem desafios a enfrentar. Porém, é por causa da postura de resiliência que observo em minhas companheiras gestoras, nas amigas do Entre Elas e nas trabalhadoras no setor de transporte de cargas - visto pela sociedade como profissão majoritariamente masculina - que acordo confiante e motivada para continuar (re)existindo.


Gislaine Zorzin, Diretora Administrativa da Zorzin Logística

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